Médicos cubanos em MG pedem, em carta, para trabalhar no combate à Covid-19

Um grupo de 150 médicos cubanos que participou do programa Mais Médicos decidiu assinar uma carta em que pede ao governo de Minas Gerais para poder auxiliar no combate à pandemia do novo coronavírus. No pedido, os signatários solicitam decisão semelhante à do governo do Pará, onde 86 médicos cubanos foram contratados para atender pacientes com a doença. Medida semelhante foi tomada pela prefeitura de Campinas (SP), que convocou 8 médicos cubanos.

O governo de MG está com dificuldades para preencher vagas imediatas e temporárias abertas para médicos que deverão atuar no combate à Covid-19 nos hospitais Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). Devido à baixa procura, o governo decidiu incluir uma gratificação extra à categoria, o que incomodou outros profissionais de saúde. Nesta terça-feira (28), 127 novas vagas para médicos foram abertas para atendimento em unidades prisionais.

De acordo com balanço divulgado nesta segunda-feira (27) pela Secretaria Estadual de Saúde, Minas Gerais já tem mais de 1,5 mil casos confirmados e 62 mortes por Covid-19.

A carta dos cubanos, a qual o G1 teve acesso, foi enviada ao poder executivo e à Assembleia Legislativa de Minas Gerais nesta segunda-feira (27). Procurada, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) adiantou que o Ministério da Saúde é o responsável pela questão dos médicos cubanos.

Muitos desses profissionais de saúde cubanos estão desempregados ou trabalham em locais como restaurantes para sobreviver. A cubana Ana Maria Melo Rodriguez é cidadã honorária da cidade de Estrela do Sul, no Triângulo Mineiro. Ela ganhou o título pela atuação no Mais Médicos no município.

Em novembro de 2018, Cuba decidiu romper a parceria com o Brasil e citou declarações “ameaçadoras” do presidente Jair Bolsonaro. Desde então, a médica Ana Maria, que é clínica geral, trabalha como secretária em um posto de saúde em Romaria, outra cidade da região.

“Meu sonho é voltar a trabalhar como médica. Amo minha profissão. Estou disposta a trabalhar e ajudar na pandemia em qualquer região do país”, disse Ana Maria.

Na carta, os médicos cubanos dizem que “neste momento de luta e crises em saúde mundial pela pandemia imperante, estamos totalmente cientes que o nosso trabalho é cuidar da saúde do povo brasileiro”. “Por isso queremos oferecer nossas experiências em emergência epidemiológica, como o ebola, a malária, o H1N1, o dengue, o cólera, o que pode tornar-se fundamental para resguardar vidas humanas” (leia a íntegra no final desta reportagem).

CRM questiona atuação de cubanos

A atuação, no entanto, foi questionada pelo Conselho Regional de Medicina (CRM). Em nota, a entidade afirmou que os médicos cubanos não estão registrados e que, nesse caso, o exercício da medicina seria ilegal.

Alberto Beltrame, secretário de Saúde do Pará, onde os cubanos já voltaram a atuar, havia dito que o “momento pede soma de esforços” e que o “governo estadual não pode medir limites na contratação de profissionais para a saúde”, devido ao cenário de colapso na rede pública, em especial em Belém.

Vários países que passam por crises no sistema de saúde por causa da pandemia do novo coronavírus receberam médicos de Cuba. A Itália, com mais de 25 mil mortes, é um dos que precisaram recorrer à ajuda dos cubanos. À África do Sul, chegaram mais de 200 desses profissionais.

Em entrevista à BBC, a associação de médicos cubanos que ficaram no Brasil (Aspromed) disse que cerca de 2 mil profissionais continuam no Brasil após o fim do Mais Médicos.

Médica cubana Ana Maria Rodriguez recebeu o título de cidadã honorária na cidade que clinicou — Foto: Ana Maria Rodriguez/Arquivo pessoalMédica cubana Ana Maria Rodriguez recebeu o título de cidadã honorária na cidade que clinicou — Foto: Ana Maria Rodriguez/Arquivo pessoal

Médica cubana Ana Maria Rodriguez recebeu o título de cidadã honorária na cidade que clinicou — Foto: Ana Maria Rodriguez/Arquivo pessoal

Médicas citam ansiedade e frustração

“Eu trabalhei no Haiti, no Paquistão e na Venezuela. Sou especialista em atenção primária. Não há Revalida [Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeiras] desde 2017. Eu posso ajudar. Tem que no deixar ajudar”, disse ao G1 o médico Armando Madrigal Manso, que trabalhou na cidade de Presidente Olegário.

Em março, o Ministério da Saúde publicou um chamamento público de “médicos intercambistas, oriundos da cooperação internacional, para reincorporação ao Projeto Mais Médicos para o Brasil”. Porém nem todos os que atendiam aos requisitos foram chamados.

“Eu não entendo. Outros 700 médicos que estão no Brasil e eu atendemos todos os critérios. Estou aqui esperando para ver o que acontece”, disse a médica Daylin Hernandez Romano, que hoje trabalha como recepcionista em um restaurante de Belo Horizonte.

Médica Daylin Hernandez Romano trabalha em um restaurante para sobreviver — Foto: Daylin Hernandez Romano/Arquivo pessoalMédica Daylin Hernandez Romano trabalha em um restaurante para sobreviver — Foto: Daylin Hernandez Romano/Arquivo pessoal

Médica Daylin Hernandez Romano trabalha em um restaurante para sobreviver — Foto: Daylin Hernandez Romano/Arquivo pessoal

“Agora com a pandemia, o restaurante só está funcionando para entregas. Estou em casa aguardando. Muito ansiosa para voltar a trabalhar”, disse ela.

A ansiedade é compartilhada pela médica Yurisel Brown Ciprian. Ela atuava no Programa Saúde da Família, em Boa Esperança, no Sul de Minas – hoje, é atendente em uma lanchonete. “Não sei fazer outra coisa que não seja clinicar”, disse Yurisel.

A médica cubana Yaime Perez Acuna atendia a população de Crucilândia (MG). — Foto: Yaime Perez Acuna/Arquivo pessoalA médica cubana Yaime Perez Acuna atendia a população de Crucilândia (MG). — Foto: Yaime Perez Acuna/Arquivo pessoal

A médica cubana Yaime Perez Acuna atendia a população de Crucilândia (MG). — Foto: Yaime Perez Acuna/Arquivo pessoal

Para Yaime Perez Acuna, o sentimento é de frustração quanto ao chamamento do governo federal.

“Estava esperando muito por esta publicação. Mas quando não vi meu nome, fiquei muito triste. Muita gente está torcendo por mim, e eu só espero poder ajudar”, disse a médica ,que trabalhou em Cricilândia, na Região Central do estado, e hoje está em um restaurante de Belo Horizonte.

Procurado pelo G1 para responder porque nem todos os médicos cubanos que atendem aos critérios do chamamento público foram convocados, o Ministério da Saúde disse apenas que “os editais ainda estão em andamento”.

Saída de Cuba do Mais Médicos

Em novembro de 2018, o governo de Cuba decidiu sair do programa social Mais Médicos, citando “referências diretas, depreciativas e ameaçadoras” feitas por Jair Bolsonaro sobre a presença dos médicos cubanos no Brasil.

O país caribenho enviava profissionais para atuar no Sistema Único de Saúde desde 2013, quando o governo da ex-presidente Dilma Rousseff criou o programa para atender regiões carentes sem cobertura médica.

Durante a campanha, Bolsonaro declarou que ele “expulsaria” os médicos cubanos do Brasil com base no exame de revalidação de diploma de médicos formados no exterior, o Revalida. A promessa também estava em seu plano de governo.

Sobre a decisão do governo cubano, o presidente se manifestou pelo Twitter dizendo: “Condicionamos a continuidade do programa Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou.”

Leia, abaixo, a íntegra da carta dos médicos cubanos

“Brasil, Minas Gerais, 24 de abril de 2020.

Carta ao Governo de Minas Gerais.

Assunto: Pedido de reincorporação dos médicos cubanos ao Sistema Único de Saúde.

Respeitosamente, recebam o cumprimento dos 105 médicos cubanos, residentes no estado Minas Gerais.

O objetivo da nossa carta é reiterar o interesse e disponibilidade para trabalhar prestando o nosso serviço à saúde pública e ao povo brasileiro durante a pandemia do Coronavirus.

Como já deve ser do conhecimento dos senhores, o Governo Federal, no dia 26 de março de 2020, abriu o edital para incluir aproximadamente 1800 médicos cubanos que ficaram no Brasil e que cumpriam com os requisitos da Lei Nº13.958, de 18 de Dezembro de 2019 (DOU), mas para a nossa surpresa, muitos de nós, cumprindo os mesmos requisitos, fomos excluídos.

Hoje mais de 1500 médicos intercambistas, oriundos da cooperação internacional cubana no Brasil, que moramos atualmente no território brasileiro estamos na espera do cumprimento do determinado pelo Juiz Federal Jorge Ferraz Oliveira Junior (DPU) no passado dia 20 de abril de 2020, ou por alguma outra via para conseguir voltar a trabalhar, lembrando, que o último Edital para revalidar foi em 2017.

A Medida Provisória Nº 926, de 20 de Março de 2020, do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro expressa:

“Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:

§ 3º Excepcionalmente, será possível a contratação de fornecedora de bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.

‘Art. 4º-H Os contratos regidos por esta Lei terão prazo de duração de até seis meses e poderão ser prorrogados por períodos sucessivos, enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da situação de emergência de saúde pública.’

‘Art. 8º Esta Lei vigorará enquanto perdurar o estado de emergência de saúde internacional decorrente do Corona vírus responsável pelo surto de 2019, exceto quanto aos contratos de que trata o art. 4º-H, que obedecerão ao prazo de vigência neles estabelecidos.’

A Procuradoria Geral do Pará liberou o dia 22 de abril o parecer jurídico com as orientações técnicas necessárias à contratação, pelos órgãos estaduais, de 86 profissionais cubanos que já atuaram nos diferentes ciclos dos editais passados, para reforçar o atendimento da covid-19. Os médicos devem atuar no Hospital de Campanha instalado no Hangar, Centro de Convenções da Amazônia, na capital paraense, e nas unidades básicas de saúde (UBSs) e de pronto-atendimento (UPAs) do município. O processo foi possível pela Lei Complementar N° 131, de 16 de abril de 2020, DOE Nº 34.187 de 17 de abril de 2020, a qual expressa:

Art. 2º As contratações de pessoal temporárias necessárias ao enfrentamento da pandemia do COVID-19 poderão ser feitas sem a realização de processo seletivo simplificado, conforme disposto no parágrafo único do art. 5º da Lei Complementar Estadual nº 07, de 1991.

Acreditamos que o Brasil é um país de inclusão, pluriétnico, democrático e acolhedor, que promove e combate a xenofobia e a não discriminação como princípio. Sendo vanguarda na proteção dos direitos dos imigrantes apelamos aos senhores com a intenção de pôr os nossos serviços á disposição do Estado Minas Gerais, conhecendo que o passado dia 17 de março, a prefeitura de Belo Horizonte havia decretado estado de emergência em saúde pública, e que foi declarado o Estado de Calamidade Pública, que segundo prefeitura, a medida foi tomada por causa da necessidade de ações para conter a propagação da Covid19 e preservar a saúde da população.

Neste momento de luta e crises em saúde mundial pela pandemia imperante, estamos totalmente cientes que o nosso trabalho é cuidar da saúde do povo brasileiro. Por isso queremos oferecer nossas experiências em emergência epidemiológica, como o Ebola, a malaria, o H1N1, o dengue, o cólera, o que pode tornar-se fundamental para resguardar vidas humanas, contando com alguns médicos que são diplomados em Urgências e Emergências, dois especialistas em Terapia Intensiva, um especialista em Perinatología, um Neonatólogo, além disso, a maioría de nós temos feito o Curso de Especialização em Estrategia de Saúde da Família, e todos os profissionais fizemos o curso do AVA-SUS, “Virus Respiratorios Emergentes, incluindo Covid-19″.

No Estado Minas Gerais, há 105 médicos cubanos, todos com status migratórios legalizados, 9 naturalizados, 12 com residência permanente e protocolo de Naturalização, 41 com residência permanente e 44 com residência temporária.

Todos tínhamos concedido nossos Registros Médicos de Saúde (Registros Únicos), dados por Ministério da Saúde, hoje cancelados pela portaria No. 17 de 1ro de fevereiro de 2019, os quais podem ser reativados novamente, como aconteceu com os 86 médicos contratados para trabalhar em Belém do Pará.

Atenciosamente,

Médicos Cubanos residentes no Estado de Minas Gerais

Observação ANEXO:

Lei Nº13.958, de 18 de Dezembro de 2019

Lei Complementar N° 131, de 16 de abril de 2020, DOE Nº 34.187 de 17 de abril de 2020 .”

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