Backer: Contaminação de cervejas poderia ter sido evitada com manutenção, diz Polícia Civil

A contaminação por dietilenoglicol poderia ter sido evitada, segundo investigadores que atuaram no inquérito sobre intoxicação envolvendo as cervejas da Backer. O relatório da Polícia Civil, entregue ao Ministério Público, indicou que o vazamento não foi descoberto por falta de manutenção na fábrica.

Em depoimento, o chefe da manutenção da cervejaria disse que não havia manutenção preventiva e que “toda hora quebrava uma máquina e parava a linha de produção”.

A cerveja contaminada mudou a vida do Felipe, que bebeu a Belorizontina para comemorar o fim de ano com a família. “Ele não escuta. Não ouve. Não consegue tomar um banho de chuveiro. Não consegue ficar em pé, nem caminhar. Ele não consegue escrever. Não consegue comer sozinho”, disse a esposa da vítima Camila Demartini.

Segundo a polícia, o vazamento foi provocado por um furo, de 1,5 milímetro no taque 10. “Nós colocamos essa substância traçante que é tipo um corante lá na bomba do chiller, que distribui líquido refrigerante, que é o dietilenoglicol e o monoetilenoglicol nos tanques da fábrica. Nos tanques de maturação da fábrica. E com isso, nós pudemos identificar que no Jumbo 10, no tanque 10, havia o vazamento desse corante da tubulação de resfriamento para dentro do tanque”, disse o superintendente de polícia técnico-científica Thales Bittencourt de Barcelos.

Para ver o defeito, foi preciso esvaziar o tanque, que tem capacidade para 18 mil litros, e entrar nele. Nas paredes há várias saliências, que são pontos de soldas. Por trás da parede de metal tem uma placa onde passa o líquido anticongelante. A polícia descobriu que o vazamento surgiu exatamente no furo provocado por uma solda.

Vista aérea da fábrica da Backer, em BH — Foto: Globocop

Vista aérea da fábrica da Backer, em BH — Foto: Globocop

O advogado da cervejaria Marcos Aurélio dos Santos reafirma que a empresa não teve culpa. ”Quando se iniciou a investigação, tinha duas perguntas que eram fundamentais para saber a causa desse acidente. O que ocorreu na Backer foi um acidente. Como um produto tóxico, altamente tóxico, entrou na fábrica e como esse produto entrou na cerveja? Foi descoberto no inquérito. Através de uma adulteração da substância feita num fornecedor de São Paulo. Primeiro fato, dietileno. A Backer teve culpa de comprar um produto que nós recebemos com selo de pureza? Não.”

Para o delegado Flávio Grossi “é indiferente para o nexo de acontecimentos se vazou o mono ou o di. Porque as duas substâncias são tóxicas e causam efeitos similares nas vítimas”.

Segundo o advogado da empresa, a Backer adquiriu o tanque já com defeito. “A Backer teve culpa de ter um tanque furado? Tanque este que foi comprado ano passado, que iniciou a produção em setembro, tanque em garantida, onde que ficou comprovado que foi um vício de fabricação. Então, o nexo causal da contaminação, a Backer não contribuiu para nenhum dos dois”.

De acordo com o delegado Flávio Grossi, era necessário que alguém controlasse o volume da substância tóxica que estava entrando no sistema de refrigeração. “Não havia um cuidado, havia um desleixo em relação aos equipamentos e necessariamente um desleixo quanto ao uso dessa substância”, disse Flávio Grossi

“Não se espera que haja vazamento na empresa. Nomeadamente de substâncias tóxicas, né? Que poderiam contaminar ali os processos produtivos. Uma das medidas pra se coibir o vazamento, não há dúvida, é a manutenção”, completou Thales Bittencourt.

Um técnico de manutenção da Serra Inox, fabricante do tanque 10, disse à polícia que visitou a Backer e encontrou uma cervejaria com “muitas adaptações e ajustes de sistemas, não seguindo um projeto”. Ele citou problemas como “segmentos de tubulação que misturava PVC”, um tipo de plástico e aço inox.

Vítimas

Cristiano Mauro Assis Gomes relata recuperação. À esquerda, foto tirada em 11 de abril; à direita, registro feito em 2 de maio — Foto: Cristiano Mauro Assis Gomes/Arquivo Pessoal

Cristiano Mauro Assis Gomes relata recuperação. À esquerda, foto tirada em 11 de abril; à direita, registro feito em 2 de maio — Foto: Cristiano Mauro Assis Gomes/Arquivo Pessoal

De acordo com a Polícia Civil, 29 pessoas foram intoxicadas pelo dietilenoglicol após consumirem a cerveja Belorizontina, da Backer. Oito morreram.

A Polícia Civil começou, nesta segunda, a fazer perícias para identificar a possível contaminação de outras 30 vítimas, que não entraram neste primeiro inquérito. Três foram descartadas.

A cervejaria disse que depositou R$ 200 mil em juízo para pagamento dos custeios, depois de decisão judicial.

Apenas uma delas teve acordo fechado para custear o tratamento, o professor Cristiano Mauro de Assis. Depois de dois meses, a empresa foi à Justiça para suspender o pagamento, mas o pedido foi negado. Ele já recebeu a terceira parcela.

“Isso é muito grave porque nos estressa tremendamente. a todo momento em que a empresa deixa de realizar os custeios, e o juiz já determinou que a Backer realize os custeios. E a Backer vem por meio de artimanhas e argumentos que inclusive o juiz considerou inadequados, e ela vem postergando, isso é cruel. Porque? Diferentemente de outras doenças, a doença neurológica tem um portal de tempo. Momentos temporais. Se você demora a fazer determinadas intervenções, você pode não ocasionar mais efeito, mais adiante”, afirmou.

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